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A vida de uma familia operária

Última atualização em Junho 12, 2022

A vida de uma família de mineiros do carvão em meados do século XIX

Agora, a vela alumiava o quarto, quadrado, com duas janelas, atravancado com três camas. Havia ali um armário, uma mesa, duas cadeiras de velha nogueira, cujo tom fumoso manchava duramente as paredes, pintadas de amarelo-claro. E mais nada, a não ser trapos suspensos de pregos, e uma bilha no chão, ao pé de um alguidar encarnado que servia de bacia.

Na cama da esquerda, o Zacarias, o mais velho, rapaz de vinte e um anos, achava-se deitado com seu irmão Jenlin, que estava a fazer onze; na da direita, dois petizes, o Henrique e a Leonor, esta de seis anos e aquele de quatro, dormiam abraçados um ao outro; a Catarina partilhava o terceiro leito com sua irmã Alzira, tão enfezada para os seus nove anos, que nem ela a teria sentido junto de si, se não fosse a corcunda da pobre enferma, que lhe entrava pelas costelas dentro.

A porta de vidraça estava aberta, via-se o corredor do patamar, a espécie de cacifo em que o pai e a mão ocupavam um quarto leito, onde tinham encostado o berço da mais nova, Estela, apenas de três meses (….) Encafuada na coberta, (a mãe) mostrava apenas o rosto comprido, de largos traços e beleza pesada, já disforme aos trinta e nove anos, pela má vida de miséria e pelos sete filhos que tinha tido. Com os olhos no teto, pôs-se a falar lentamente, enquanto o seu homem se vestia. A pequena berrava sempre e nem um, nem outro lhe davam atenção:

– Já te disse que estou sem dinheiro nenhum, e é segunda-feira; seis dias ainda a esperar pela quinzena (… Não há meio de aguentar até lá. Vocês todos trazem-me nove francos por dia; como querem que os sustente? Olha que somos dez bocas.

– Ora, nove francos! – grunhiu o Maheu. – Eu e o Zacarias, a três, são seis… A Catarina e o pai, a dois. são quatro; quatro e seis, dez (… )
E o Jeanlin, um, são onze.

– Sim, onze; mas há os domingos e os dias de folga … Nunca passa de nove, que to digo eu! … Jesus? Que hei-de eu fazer? Dois dias, é um nunca acabar. Devemos sessenta francos ao Maigrat, que ainda ontem me pôs fora, com as mãos a abanar. Assim mesmo, eu lá volto hoje. Mas se ele continua a recusar…

Entretanto, diante do armário aberto, a Catarina refletia. Ainda restava um pedaço de pão, suficiente queijo fresco, mas apenas uma lambedura de manteiga; e tratava-se de fazer fatias para os quatro.

Decidiu-se, enfim; cortou as fatias o mais grossas possível. Cobriu uma de queijo, e esfregou a outra com manteiga, e colou-as depois. Era a bucha, a dupla fatia que levavam pela manhã para a vala. Num instante, apareceram em fileiras as quatro buchas sobre a banca, repartidas com severa justiça, desde a grande do pai até à pequena do Jeanlin …

Nisto, um esguicho de vapor fez estremecer a Catarina. Fechou a porta, foi a correr: a água fervia e entornava-se, apagando o lume. Já não restava café; teve de se limitar a passar uma pouca de água pelo pé da véspera, que depois adoçou na cafeteira, com açúcar mascavado. Vinham justamente a descer o pai e os irmãos … A Catarina, depois de beber, acabava de despejar a cafeteira nos cantis de lata … Cada qual sacou os seus tamancos de sob o aparador, deitou o cordão do cantil ao ombro e meteu a bucha nas costas, entre a camisa e a jaqueta. E saíram …

Vestidos de lona delgada, tiritavam de frio, sem por isso caminharem mais depressa, debandados ao longo do caminho, num tropeçar de rebanho … Como os Maheu chegassem, ouviram-se risadas ao lume … Entretanto, a alegria abateu: a do Mouque estava contando ao Maheu que a Fleurance não podia vir … E o Maheu enraivecia-se: … Aí perdia ele uma das suas gradadoras, sem a poder substituir de pronto!

O Maheu trabalhava de empreitada, eram quatro cortadores (de carvão) de parceria no seu corte: ele, o Zacarias, o Levaque e o Chaval. Só com a Catarina para gradar, iam ver-se em apuros. De repente, teve uma ideia: – Espera! E aquele homem que pedia trabalho? …O Estêvão chegou, combinou-se tudo em quatro palavras: trinta soldos por dia, um trabalho fatigante, mas que ele depressa aprenderia.»


Zola, Emílio: «Germinal»