Última atualização em Junho 13, 2022
É a este governo que se chama um principado civil, e para o alcançar não é necessário, nem ter um raro merecimento, nem uma felicidade extraordinária, mas simplesmente uma certa habilidade.
Ora, o acesso à soberana magistratura só é possível, ou pelo favor dos grandes, ou pelo favor do povo, porque os dois partidos que podem dividir um Estado reduzem-se a estes dois elementos, que nascem, um da aversão do povo pelo governo opressivo dos nobres, outro do desejo que estes sentem de governar o povo e de o oprimir.
Consideremos, agora, o caso de um cidadão chegar a ser príncipe do seu país, sem empregar, nem a violência, nem a traição, mas por auxílio dos seus concidadãos. É a este governo que se chama um principado civil, e para o alcançar não é necessário, nem ter um raro merecimento, nem uma felicidade extraordinária, mas simplesmente uma certa habilidade.
Ora, o acesso à soberana magistratura só é possível, ou pelo favor dos grandes, ou pelo favor do povo, porque os dois partidos que podem dividir um Estado reduzem-se a estes dois elementos, que nascem, um da aversão do povo pelo governo opressivo dos nobres, outro do desejo que estes sentem de governar o povo e de o oprimir. Ora esta diversidade de pontos de vista e de interesses dá lugar a uma luta que leva o principado à liberdade ou à anarquia. O principado vem ou do povo ou dos grandes, conforme a sorte o destina; porque se os grandes se sentem incapazes de resistir ao povo.
Muitas vezes imaginam-se repúblicas e outras formas de governo que nunca existiram. Vai uma tão grande distância da maneira como se vive para aquela como se devia viver, que o que considera como bom e real o que devia sem dúvida ser, mas que infelizmente não é, corre para uma ruína inevitável. De modo que não receio dizer que os que querem à viva força que seja bom aquilo que o não é, não podem deixar de soçobrar mais tarde ou mais cedo. Um príncipe que se quiser manter tem, portanto, que aprender a nem sempre ser bom, para poder agir como as circunstâncias e o interesse da sua conservação o determinarem.
Os animais de que o príncipe deve seguir os exemplos são a raposa e o leão. O primeiro tem fracas defesas contra o lobo, e o outro cai facilmente nos laços que lhe armam. Com a primeira aprenderá príncipe a ser ardiloso, com o segundo a ser forte. Os que desprezam o papel da raposa nada percebem do assunto; por outras palavras, um príncipe prudente não pode nem deve cumprir a sua palavra senão quando lhe é possível fazê-lo sem se prejudicar e as circunstâncias em que fez o acordo ainda subsista.
Também é muito útil que, de vez em quando, um príncipe mande executar castigos e conceda mercês, que sejam de grande brilho e se imprimam fortemente nos espíritos.
Nicolau Maquiavel, “O Príncipe”